O debate sobre o nepotismo ultrapassa a lei, envolvendo ética, transparência e a credibilidade das instituições
Trazemos nesta edição um tema que tem gerado discussões intensas nos bastidores da política nos últimos dias – e que, por vivermos em uma cidade pequena de pouco mais de 12 mil habitantes, merece nossa atenção especial: o nepotismo.
Traduzindo o termo, nepotismo significa preferência, favoritismo ou proteção indevida, geralmente em nomeações ou concessões de cargos e funções, especialmente no poder público. Trata-se de uma prática que, historicamente, remonta à antiguidade – Aristóteles e outros filósofos já a viam como uma distorção da justiça e da moral pública, uma forma de privilegiar vínculos pessoais em detrimento do mérito.
No entanto, o que antes era visto como algo condenável parece ganhar novas interpretações no cenário político e jurídico atual.
Sobre o nepotismo, segundo o TSE
Em uma recente decisão, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) entendeu que a nomeação de parentes em cargos políticos, como secretarias municipais ou estaduais, não configura, por si só, ato de nepotismo, desde que haja critérios técnicos e capacidade comprovada para o exercício da função.
O entendimento – alinhado a decisões anteriores do Supremo Tribunal Federal (STF) – delimita que a Súmula Vinculante nº 13, que proíbe o nepotismo na administração pública, não se aplica automaticamente a cargos de natureza política. Assim, prefeitos, governadores e outras autoridades eleitas podem nomear parentes, desde que isso não configure desvio de finalidade nem troca de favores com fins eleitorais ou pessoais.
A decisão reacendeu o debate sobre os limites entre a confiança política e o abuso do poder público. Afinal, onde termina o direito de o gestor escolher pessoas de sua confiança – e onde começa o favorecimento indevido?
Reflexão: cabe à sociedade observar com senso crítico
Diante dessa nova interpretação da Justiça Eleitoral, é inevitável que surjam questionamentos também em nível municipal. Em cidades pequenas como a nossa, onde os laços familiares, de amizade e convivência são estreitos, a fronteira entre a confiança política e o favorecimento pessoal torna-se ainda mais tênue.
É comum que gestores defendam suas nomeações com o argumento da confiança e da capacidade técnica de seus escolhidos. No entanto, cabe à sociedade observar com senso crítico se essas escolhas realmente refletem critérios de competência ou se apenas reforçam estruturas de poder baseadas em vínculos familiares e alianças políticas.
O debate sobre o nepotismo, portanto, vai além da legalidade. Ele toca na ética pública, na transparência da gestão e na credibilidade das instituições. A decisão do TSE pode até ter tornado certas nomeações “legais”, mas a pergunta que fica é: será que são morais?
Em tempos de descrença na política, é perigoso confundir a letra fria da lei com o calor da consciência. Se a Justiça afrouxa o entendimento, cabe ao cidadão apertar o crivo da vigilância. Porque, no fim das contas, a moralidade pública não se decreta – se constrói, ou se perde, nas pequenas escolhas do poder.
*Artigo publicado no impresso Jornal TRIBUNA da Cidade – Edi. 200 - novembro 2025
