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Por Leonil Junior

É mais comum do que deveria: pessoas vindas da capital — muitas vezes da chamada classe média intelectualizada — chegam ao interior profundo do Brasil como quem pisa em território virgem, como se ali não houvesse história, cultura ou pensamento antes da sua chegada.

A postura, quase sempre sutil, revela-se em pequenas falas, em perguntas que carregam mais do que curiosidade. “Mas você nasceu aqui?”, é uma delas. A entonação não engana: não é uma pergunta genuína, é espanto. Uma forma disfarçada de dizer que é improvável — ou até indesejável — que alguém do interior também pense, crie, escreva, ensine.

Sou de Joanópolis, e dói ouvir esse tipo de surpresa, porque Joanópolis tem cultura! E tem muita! Não precisando importar tudo para se sentir viva.

Esta é a terra da viola caipira, do bater da bota no chão no compasso da catira, das ladainhas entoadas como orações abertas no peito, do silêncio profundo da Sexta-feira Santa, quando até o vento parece respeitar o luto. É um lugar onde as lendas não foram escritas, mas todos conhecem. Onde os causos explicam a vida mais do que qualquer tratado acadêmico. Onde até a comida conta história — como o virado de banana, preparado de formas que dizem tanto sobre quem somos.

Reconheço a beleza das manifestações culturais de outras regiões — maracatu, coco, jongo, congada — são expressões potentes, cheias de ancestralidade e valor. Mas têm raiz, têm contexto. São incríveis porque pertencem ao lugar de onde brotaram. A cultura, afinal, é ponte, mas também é território. E o território precisa ser respeitado.

Não se trata de recusar o intercâmbio cultural. Trata-se de reconhecer que há limites entre o diálogo e a imposição. Que o que muitas vezes se apresenta como "trazer cultura" pode ser, na prática, uma nova e mais sutil forma de colonização.

Decolonizar o pensamento é inverter o eixo. É deixar de olhar do centro para a margem e começar a olhar dá margem para o centro. É reconhecer que cultura não se mede por diploma, nem por CEP. É saber escutar antes de propor, sentir antes de interferir, chegar com humildade — não com um projeto pronto.

O interior não é vazio, é cheio de tempo, de história, de formas próprias de viver e de pensar. Cheio de gente que sabe muito bem o que está fazendo — mesmo que não chame isso de “projeto cultural”.

*Artigo publicado no impresso Jornal TRIBUNA da Cidade – Edi. 195 - maio 2025.

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